domingo, dezembro 28, 2008


Terna é a noite
Em que os beijos demoram
Lento é o toque
Dos que se vêem e s'adoram

Suave é o olhar
Dos que nada temem
E selvagem é o beijo
Dos que sempre se despedem.

terça-feira, dezembro 16, 2008


Talvez tenham sido as últimas palavras que ouvi... E para sempre fiquei encerrada neste corpo.
Não sinto muito mais além do que estes membros mortos me permitem; as paredes negras que me guardam deixam escorrer histórias de outras eras... De como eu fui. De como nunca mais voltarei a ser.
Fiquei fechada neste corpo morto por maldições antigas e invejas actuais. Não sei porquê, desconheço o que fiz, apenas as tuas últimas palavras soam como ruído branco nos meus ouvidos. Mortos. Como os olhos. Vislumbro apenas as paredes negras deste sepulcro, onde a eternidade me espera... Ah, mas a eternidade é longa e o tempo é um pêndulo enferrujado nas mãos de um ancião...
O tempo. A vida que foi minha e agora me foi roubada. As tuas palavras, ruído branco, nos meus ouvidos. Só me resta o curto espaço deste túmulo esquecido debaixo dos pés de toda a gente. O meu corpo morreu algures antes das tuas palavras finais, agora só me restam estes membros mortos, parcos de movimento e sem ter por onde fugir... Ah, mas o meu espírito é livre, sobressai acima de qualquer assombro ou feitiço e vejo-o flutuando acima do meu cadáver a decompor, muito acima da carne e dos ossos e dos olhos vazios. É livre, masmorra alguma o impedirá de flutuar até ti!
E flutuo muito acima daquilo que foi, do Mal em que me esconderam e do Mundo que fizeram esquecer de mim... E busco-te em cada rua, em cada esquina, procuro os sons e os cheiros que tragam as lembranças do teu riso. Mas tudo parece diferente, enquanto jazia debaixo do chão, esquecida de tudo e todos, tudo se alterou, a noite já não brilha como antigamente e o vento já não me traz a tua voz... Os espaços são outros, a Lua já não me indica o caminho e o rio perdeu o reflexo dos teus olhos...
Durante horas, dias, meses, anos, o meu espírito vagueou incerto e louco à tua procura.
Refiz todos os caminhos, rebusquei todos os nossos cantos, pedi ajuda ao vento que me dissesse onde tinha ouvido a tua voz pela última vez... Nada, o teu rasto desaparecera com as últimas palavras sussurradas ao meu ouvido, debaixo da terra.
E para lá voltei. Ao pé dos ossos do que fora antes, na masmorra debaixo do Mundo, esquecida por todos... As paredes negras continuavam a repetir as histórias de tempos felizes e ecoam ainda os risos de outrora. Acima de uns ossos tristes, enredado nas lembranças do que fora, páira um espírito contando os compassos da eternidade, esperando uma nova oportunidade.

domingo, dezembro 14, 2008


Escrever é como suturar uma ferida com as linhas do pensamento e com as palavras de sonhos esquecidos.
O sangue que sai dessa ferida não contém as imagens de uma existência feliz... Quem tem a escrita gravada na alma não escreve sobre momentos felizes.
A necessidade selvática de escrever surge quando menos se espera, em instantes esquecidos do quotidiano, frases que se juntam na mente, construindo um texto, uma história durante uma simples caminhada.
E enquanto a rotina se cumpre, histórias, poemas e desafios vão crescendo na memória, revisitando textos e acrescentando personagens.
Para escrever, é preciso soltar os cadeados de todos os cofres negros do coração.
É urgente libertar todos os demónios, todas as lágrimas que ficaram por chorar e todos os dragões que não foram vencidos. Por isso, ninguém escreve quando está feliz, pois como se sabe, nenhum dragão vencido ou beijo arrebatador impele a tinta no papel.
Livres de todas as amarras, todos os elementos negros são esconjurados dos confins da alma e esgravatam à superfície. Urge escrever, urge passar para o papel todas as ideias recônditas de um espírito. Escrever é uma catarse, purifica o sangue e limpa a mente. O coração só sossegará quando as linhas estiverem escritas. Até lá, é o frenesim dos músculos segurando a caneta, desenhando palavras até todos os elementos negros se manifestarem cá fora.
Quem escreve nunca está só.
Para além das palavras no papel, entidades invisíveis acompanham quem escreve.
Eis-me aqui sentada a escrever.
Sinto o quarto repleto de gente. Está na hora de exorcizar as dores do espírito.
Pego na caneta e no papel e começo. Desfiando letras, palavras e fases pelo papel, sinto-me mais completa.
Lentamente, dois seres invisíveis encostam-se ao meu lado.
Um, do lado direito, acompanha-me a escrita e apioa o meu pulso, enlevado.
O outro, do lado esquerdo, acelera o meu coração e, inclinando-se sobre o meu pescoço, alimenta-se da minha força vital.