terça-feira, dezembro 16, 2008


Talvez tenham sido as últimas palavras que ouvi... E para sempre fiquei encerrada neste corpo.
Não sinto muito mais além do que estes membros mortos me permitem; as paredes negras que me guardam deixam escorrer histórias de outras eras... De como eu fui. De como nunca mais voltarei a ser.
Fiquei fechada neste corpo morto por maldições antigas e invejas actuais. Não sei porquê, desconheço o que fiz, apenas as tuas últimas palavras soam como ruído branco nos meus ouvidos. Mortos. Como os olhos. Vislumbro apenas as paredes negras deste sepulcro, onde a eternidade me espera... Ah, mas a eternidade é longa e o tempo é um pêndulo enferrujado nas mãos de um ancião...
O tempo. A vida que foi minha e agora me foi roubada. As tuas palavras, ruído branco, nos meus ouvidos. Só me resta o curto espaço deste túmulo esquecido debaixo dos pés de toda a gente. O meu corpo morreu algures antes das tuas palavras finais, agora só me restam estes membros mortos, parcos de movimento e sem ter por onde fugir... Ah, mas o meu espírito é livre, sobressai acima de qualquer assombro ou feitiço e vejo-o flutuando acima do meu cadáver a decompor, muito acima da carne e dos ossos e dos olhos vazios. É livre, masmorra alguma o impedirá de flutuar até ti!
E flutuo muito acima daquilo que foi, do Mal em que me esconderam e do Mundo que fizeram esquecer de mim... E busco-te em cada rua, em cada esquina, procuro os sons e os cheiros que tragam as lembranças do teu riso. Mas tudo parece diferente, enquanto jazia debaixo do chão, esquecida de tudo e todos, tudo se alterou, a noite já não brilha como antigamente e o vento já não me traz a tua voz... Os espaços são outros, a Lua já não me indica o caminho e o rio perdeu o reflexo dos teus olhos...
Durante horas, dias, meses, anos, o meu espírito vagueou incerto e louco à tua procura.
Refiz todos os caminhos, rebusquei todos os nossos cantos, pedi ajuda ao vento que me dissesse onde tinha ouvido a tua voz pela última vez... Nada, o teu rasto desaparecera com as últimas palavras sussurradas ao meu ouvido, debaixo da terra.
E para lá voltei. Ao pé dos ossos do que fora antes, na masmorra debaixo do Mundo, esquecida por todos... As paredes negras continuavam a repetir as histórias de tempos felizes e ecoam ainda os risos de outrora. Acima de uns ossos tristes, enredado nas lembranças do que fora, páira um espírito contando os compassos da eternidade, esperando uma nova oportunidade.