segunda-feira, fevereiro 14, 2005


Posted by Hello


«Tu só, tu, puro Amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano.

«Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruto,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito,
Nos saüdosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuto,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.

«Do teu Príncipe ali te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
Que sempre ante seus olhos te traziam,
Quando dos teus fermosos se apartavam;
De noite, em doces sonhos que mentiam,
De dia, em pensamentos que voavam;
E quanto, enfim, cuidava e quanto via
Eram tudo memórias de alegria.

«De outras belas senhoras e Princesas
Os desejados tálamos enjeita,
Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas
Quando um gesto suave te sujeita.
Vendo estas namoradas estranhezas,
O velho pai sesudo, que respeita
O murmurar do povo e a fantasia
Do filho, que casar-se não queria,

«Tirar Inês ao mundo determina,
Por lhe tirar o filho que tem preso,
Crendo co sangue só da morte indina
Matar do firme amor o fogo aceso.
Que furor consentiu que a espada fina
Que pôde sustentar o grande peso
Do furor Mauro, fosse alevantada
Contra ũa fraca dama delicada?

«Traziam-a os horríficos algozes
Ante o Rei, já movido a piedade;
Mas o povo, com falsas e ferozes
Razões, à morte crua o persuade.
Ela, com tristes e piedosas vozes,
Saídas só da mágoa e saüdade
Do seu Príncipe e filhos, que deixava,
Que mais que a própria morte a magoava,

«Pera o céu cristalino alevantando,
Com lágrimas, os olhos piedosos
(Os olhos, porque as mãos lhe estava atandoUm dos duros ministros rigorosos);
E despois nos mininos atentando,
Que tão queridos tinha e tão mimosos,
Cuja orfindade como mãe temia,
Pera o avô cruel assi dizia:

(...)

«Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito
(Se de humano é matar ũa donzela,
Fraca e sem força, só por ter subjeito
O coração a quem soube vencê-la),
A estas criancinhas tem respeito,
Pois o não tens à morte escura dela;
Mova-te a piedade sua e minha,
Pois te não move a culpa que não tinha.

(...)

«Queria perdoar-lhe o Rei benino,
Movido das palavras que o magoam;
Mas o pertinaz povo e seu destino
(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.
Arrancam das espadas de aço fino
Os que por bom tal feito ali apregoam.
Contra ũa dama, ó peitos carniceiros,
Feros vos amostrais – e cavaleiros?

(...)

«Tais contra Inês os brutos matadores,
No colo de alabastro, que sustinha
As obras com que Amor matou de amores
Aquele que despois a fez Rainha,
As espadas banhando, e as brancas flores,
Que ela dos olhos seus regadas tinha,
Se encarniçavam, férvidos e irosos,
No futuro castigo não cuidosos.

«Bem puderas, ó Sol, da vista destes,
Teus raios apartar aquele dia,
Como da seva mesa de Tiestes,
Quando os filhos por mão de Atreu comia!
Vós, ó côncavos vales, que pudestes
A voz extrema ouvir da boca fria,
O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,
Por muito grande espaço repetistes!

«Assi como a bonina, que cortada
Antes do tempo foi, cândida e bela,
Sendo das mãos lacivas maltratada
Da minina que a trouxe na capela,
O cheiro traz perdido e a cor murchada:
Tal está, morta, a pálida donzela,
Secas do rosto as rosas e perdida
A branca e viva cor, co a doce vida.

«As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram.
O nome lhe puseram, que inda dura,
Dos amores de Inês, que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água e o nome Amores!


Excerto do episódio da morte de Inês de Castro d'Os Lusíadas



Há Amores que nunca morrem, que vivem além dos séculos e se coroam na eternidade.
Pelo menos por um dia, vou acreditar que ele existe!

6 Comments:

Blogger Contas e Cores said...

Tu escolheste a história da Inês de castro, eu escolhi Romeu e Julieta!:) Beijinhos

2:36 da tarde  
Blogger darkman said...

uma das historias mais romanticas da nossa historia...*

ashistorias.blogspot.com
ospensamentos.blogspot.com

5:10 da tarde  
Blogger R. said...

ya das mlhores mm... i'll try to believe in love too...

7:35 da tarde  
Blogger Daniel Aladiah said...

A teus pés me curvo, bela Inês
Pudéssemos atrás voltar
Evitaria tal acto soez
e não morrerias por amar!
Beijo
daniel

10:04 da tarde  
Blogger Å®t Øf £övë said...

Será que há mesmo amores que vivem para além dos séculos,ou será que não viveram o tempo suficiente para chegarem à fase de desilução?

É uma pergunta que deixo no amor,ironicamente ou talvez não no dia de hoje....

Beijinho.

1:07 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Como alguém no dia 14 me disse...

Hoje o Amor é tudo na nossa vida.

Porque por vivermos o amor muito mais intensamente que "o antigamente" que existem mais divorcios.

Consumimos os ares de amor mais rápidamente... Acabando por desamar quem amavamos.

Por isso que digo... Vivam o amor intensamente. Eu vivo o amor e o erotismo intensamente nos meus poemas. Por isso que adorei incessantemente esta tua mensagem de hoje.

Quase me atrevo a dizer: Amo-te.

Assin: Artur Rebelo

11:41 da manhã  

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