quarta-feira, fevereiro 02, 2005

Dura Lex

Nunca antes tinha encontrado um texto que reflectisse tão fielmente as agruras do curso de Direito. Como quem espera sempre alcança ou como água mole em pedra dura tanto dá até que fura, veio hoje parar-me às mãos a obra-prima!

Também eu sofri e ainda estou para sofrer com o Prof. Soares Martínez!
Ou com as servidões de passagem, o acto administrativo perdido, a personalidade jurídica do zigoto, as dívidas dos cônjuges, os direitos fundamentais, o sócio remisso, o contrato de abertura de conta, a responsabilidade por dano de confiança, o "ius variandi", a revelia do réu, o requerimento de abertura de instrução, o fideicomisso ou o problema da qualificação em DIP!
Estudantes de Direito deste país, uni-vos e revejam-se no texto abaixo!


Crónica de Pedro Mexia in Grande Reportagem
(texto recebido por e-mail)

A enfiteuse e o fideicomisso

«Uma amiga de longa data pediu-me que lhe corrigisse as vírgulas na Tese de doutoramento. Com certeza que sim. Atirei-me, pois, às vírgulas.
Mas confesso que não estava preparado.

É que a tese - não sei como dizer isto - debruça-se sobre a problemática da cessão dos créditos.
Confortavelmente esticado na minha caminha, de lápis na mão, dei por mim
teletransportado ou, se preferirem, transplantado para a década de noventa do século passado. Essa tarde recordou-me outras tardes, árduas e infindáveis, há 12 ou 13 anos.

Era, nessa época, aluno do curso de Direito.

Saquei o canudo em 1995. E, depois disso, tenho mantido o silêncio.
Mas agora, passado o período de nojo, aproveito para deixar aos meus leitores dois ou três avisos sobre o dito curso.

Pois bem: trata-se da mais inconcebível, árida, macilenta e desprezível das criações humanas. Reparem que nem sequer me refiro ao Direito propriamente dito: sobre essa matéria a conivência dos juristas com tiranias sortidas e as obras completas do Kafka chegam e sobram. Quero agora evocar apenas o curso, aqules cinco penosos anos de colónia penal.
Convém aliás explicar que o curso de Direito tem cinco anos não por exigências curriculares mas como forma de homenagem aos planos quinquenais soviéticos.
A lógica de opressão, de dirigismo e de extermínio é a mesmíssima.
Não vou agora aqui sumariar a minha experiência estudantil, a qual, aliás, foi aprazível a princípio e se tornou depois indiferente.

Mas recordo-me bem do momento de viragem.
Em pleno terceiro ano, o meu descontentamento veio ao de cima violentamente, como um almoço mal digerido.
Estava numa aula de Direitos Reais. Estava aborrecido.
Estava com sono. Escrevinhava coisas num caderno.

E em cima do estrado, o monocórdico mestre dissertava sobre a «servidão de estilicídio».
Eu explico: trata-se de garantir escoamento das águas quando um prédio vizinho não
está a mais de cinco decímetros do outro.

A minha vaga insatisfação com o curso tornou-se, nesse segundo, algo de muito mais agudo, como uma úlcera que rebenta.
Eu não sabia o que queria fazer da minha vida; mas não era certamente estudar o escoamento de águas e a distância entre os prédios.
Que se lixasse o estilicídio.
Eu queria distância era do curso. Porque essa era a nossa faina.
Engolíamos, como óleo de rícino, noções assim intragáveis durante dez infindáveis
semestres.

Não apenas a acção de despejo, o IRS ou a recorribilidade do acto administrativo, assuntos minimamente perceptíveis, mas muitas e muitas
bizarrias. A Constituição da Costa Rica. O inadimplemento culposo.

A impugnação pauliana. A venda a retro. A ineptidão da petição inicial. As prescrições presuntivas. A substituição quase-pupilar. O fideicomisso.
O anatocismo. A enfiteuse. Os vícios redibitórios. Os impedimentos dirimentes relativos.
O contrato sinalagmático. O registo das sociedades em comandita.
O benefício da excussão. E, claro, a cessão de créditos.

É preciso ter um interesse desmesurado acerca das regras que regulam uma sociedade, em todos os seus nauseabundos detalhes, para estudar estas salgalhadas.
E para aguentar os infindáveis casos entre o "senhor A" e o "senhor B", que vendiam
um ao outro casas, se processavam, pediam licenças de uso e porte de arma,
deixavam violas de gamba em usufruto, e por aí em diante.

Por vezes iam mais longe: o usufruto era em Amesterdão, a arma de Poiares da Beira, o processo na Califórnia e a casa nas Comores. Quid juris?, perguntavam, sacanas, os lentes.
Não sabíamos nem queríamos saber.

Por esta altura, todos nós queríamos mais era que o senhor A e o senhor B se quilhassem. Manhãs e tardes a fio assisti a isto. Noites e noites a fio estudei isto.
Vou ter olheiras para sempre por causa disto.
Arruinei a minha caligrafia por causa disto.
Sofri horrores de nervos e bexiga por causa disto.

Aguentei o prof. Soares Martinez por causa disto.
Comprei e sublinhei de capa a capa catrapázios de setecentas páginas sobre a pensão de alimentos por causa disto.

Por isso vos digo, ó finalistas do liceu: não se metam nisso.
Parafraseando Jaques Séguéla, diria que há actividades bem mais decentes.
Como pianista num bordel. »



NOTA: Realmente ter Reais depois de almoço.... Eu tive às 8h da manhã com o filho do Prof. acima referido!


4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Estou a ver que o cheiro fétido e pestilento das ulceras que se criam por um curso destes é por demais acido.

Acho que há cursos mais fáceis, mais agradáveis onde temos emprego garantido, com carrinho da empresa, telemóvel da empresa e isênção de horário.

Os cursos de direito na minha visão são dificeis, crueis e sem futuro garantido...

Como alguém menos leigo nesta matéria me disse...

"...já temos mais "doutores" de direito que criminosos a precisarem de endireito".

Assin: Artur Rebelo

(Boa sorte nas futuras orais).

Srª Drª :D

1:02 da tarde  
Blogger R. said...

contem kom a minha solidariedade!! nao ha kem aguente!*

11:27 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Hi LadyFullMoon,
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11:34 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Dura Lex is a fun title to find. It just amused me when I came across it on my search
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11:13 da tarde  

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