segunda-feira, junho 28, 2004

O Arthe, um amigo que muito me ouve e aconselha, confessou-se fã deste recanto.
Gostou especialmente deste texto...

E então resolveu escrever uma continuação, à qual juntei depois a conclusão, que a diante será publicada.

Apreciem...

«Nada feito, ele amara aquele ser infinito para ele, ele pensava nela como se ela fosse uma relíquia sua do seu coração, ele sentia-se desesperado, estava a entrar em loucura. Sonhava constantemente com o seu sorriso agridoce. O seu cheiro a lírio e os seus lábios de mel. Que há a fazer? Será que algum dia a encontrará. Ele desesperado entrou no caminho do desespero. Deixou ficar a vida. A vida passava por ele e ele nem dava conta, estava destruído, deixou de trabalhar, deixou de sentir, apenas vivia.

Ao fim dum ano perdeu o emprego, um emprego bem remunerado, um emprego perfeito, um emprego que ele adorava fazer, aquilo que queria fazer, toda a sua ambição tinha descido ao inferno. Ele não se preocupou nunca mais do trabalho, não era isso que a traria de volta. Não era isso que devolvia aquele ser que amava. Sonhava com ela e aquele dia maldito que acordou sentimentos adormecidos que soltou o Ciclope que se encontrava fechado no interior de si.

Depois perdeu tudo o que tinha, apesar de não ter nada mesmo, sem ela a sua vida não fazia qualquer sentido, sem aquele anjo doce ele não tinha nada. Se nada tinha, nada perdeu.

Vagueava na rua, era mais um entre tantos, era mais um sem abrigo, era um eremita no meio da cidade apinhada de gente, todos passavam por ele e ele era transparente, não contava, não era um ser humano, não existia, era apenas um objecto ali nas ruas intemporais e nos becos mais sombrios, estava morto, apesar de o seu sangue correr, apesar do seu coração bater, mas estava morto.

Era um morto-vivo, para sobreviver comia o que encontrava nos caixotes do lixo, muitas das vezes tinha como rivais pelo seu alimento, os cães e os gatos que também sobreviviam dessa forma.

Passaram anos em que os Outonos húmidos, Invernos frios e Verões sufocantes mostravam o seu ódio a ele e ao seu corpo. Sobrevivia a tudo. Já nem se lembrava do que tinha sido, mas lembrava-se do cabelo castanho claro, os olhos penetrantes e brilhantes esverdeados, o seu cheiro, tudo isso era lembrança que tinha dela que nunca se desvanecia, como se acontecesse ali naquele momento, como se aquele momento da vida deles se repetisse a todas as horas do dia. Ele tinha descido ao abismo. Ele mesmo assim daria todo o sucesso que ambicionava ter na vida e que o estava a conseguir por aquele momento que teve. Para ele a sua vida fazia sentido apenas por aquele momento. Momento que valeria mais que 100 anos de uma vida de sucesso.

Ela depois daquele encontro, nunca mais foi a mesma, sentia saudades dele, sentia saudades do momento que a sua vida tinha cruzado por um acaso destino com a dele. Duas linhas da vida em que se cruzaram num determinado momento e que influenciaram ambos. Ele se autodestruiu e ela perto disso.

Ela uma enfermeira que vivia para os seus doentes, a mais amada pelos doentes a mais doce de todas, a que era mais empenhada no alivio da dor dos seus doentes a que era mais suave nos seus cuidados para com os seus doentes, continuou a trabalhar, a fazer voluntariado, a trabalhar muito mais de 16 horas por dia, tentava esquecê-lo com a dor física do cansaço, trabalhava incessantemente quer no hospital, quer num lar de acolhimento, apoiava todas as causas de solidariedade, vivia apenas para os outros. Os anos passavam e ela continuava ali doce terna e incessante no seu trabalho e no seu voluntariado.

Ela cada doente que tratava, pensava que pudesse ser ele, cuidava-os com carinho, com ternura. Anos atrás de anos assim. Recusou constantes pedidos amorosos, ficou morta para o amor de qualquer homem que não fosse ele o ser com o olhar mais terno do mundo, ele melancólico de uma beleza estranha e cativante.

Ela de cada vez que acedia a dar algum descanso ao seu corpo, a sua mente voltava como se fosse um escape a senti-lo a ele, queria acariciar os seus cabelos pretos e lisos queria sentir o aroma daquele perfume. Da loucura que seria tê-lo no seu leito e ser acariciada por aquelas mãos suaves e grandes.

Acordava muita vez com lágrimas nos olhos de saudades que sentia por ele. Ela cada vez se vingava mais no trabalho de voluntária de maneira a tentar aclamar os ímpetos duros da saudade que sentia daquele momento maldito como de êxtase infinito.

Ela num dia de Inverno, daqueles dias que dá dó ao coração sentiu algo muito intenso, algo que se cravava no coração. Acordou cansada como sempre acordava, coberta em lágrimas como sempre e demasiadamente triste como sempre. Mas hoje era diferente. Levantou-se e foi em direcção para a casa de banho lavar a cara, sentia-se muito triste. Muito mal. As lágrimas saíam incontroláveis pela cara a baixo e estavam incessantes.

Algo estava errado, ela nem se vestiu, apenas vestiu um dos casacões por cima da camisa de dormir, calçou-se e saiu para a rua, estava uma noite muito fria, notava-se na rua a geada a formar-se, a humidade fria cortava os pulmões dela quando ela inspirava o ar gélido daquela noite gelada. Andou uma boa meia hora por entre as ruas malditas e meio vazias daquela cidade, não sabe como mas apenas andou, não pensava nada apenas andava e andava sem destino, sem caminho, sem nada que lhe desse qualquer seguimento, ziguezagueava por entre os quarteirões, muitas vezes tomando o caminho mais longínquo por entre dois pontos.

De repente escuta algo, assusta-se pensa que alguém lhe poderá fazer mal, mas que mal pode um homem velho cansado e a tremer de frio fazer?

Aproxima-se e sente cada vez mais as lágrimas a correrem pela cara. Ajoelha-se e puxa-o para si, Continua com o mesmo aspecto melancólico, os mesmos lábios embora estivessem gretados, o mesmo cabelo liso mas agora meio grisalho. Apesar da Barba grisalha, do ar mais enrugado, do ar mais cansado e triste, ele continuava a ser o ser que ela queria para si. Ele tremia e estava desmaiado com o frio. Gritou, mas ninguém a escutou, a estrada deserta continuou deserta. Ela puxou-o mais para si. Despiu o seu casaco e cobriu-o a ele, correu bateu a portas, ninguém a ajudava, pensavam que era uma doida, que estava de camisa de dormir na rua, ninguém a ajudava, ela desesperada quase em desespero e sem voz, sentia o mundo a girar à sua volta estava a sentir-se mal e a desmaiar, simplesmente o mundo deixou de importar para ela, só escutava a voz longínqua de alguém que parecia que estava a falar de kilometros de distancia…»